terça-feira, 1 de junho de 2010

Guerra entre o feliz poeta e o esfomeado

"Terça-feira, dia 25 de Maio de 2010. Atores da peça Rãmlet Soul fazem mais uma apresentação na praça José de Alencar, em Fortaleza. Trajando apenas uma toalha enrolada e gravata de laço, rapazes interpretam michês abordando os transeuntes. Para qualquer pessoa com um nível intelectual mediano, a cena soa engraçadíssima, interessante, uma novidade. Mas o CHOQUE que a cena causou para o cidadão comum que por ali transitava, a ponto de culminar em uma terrível agressão parece ter passado em brancas nuvens à percepção de boa parte de uma classe artística local. Hoje minha caixa de e-mails amanheceu cheia de mensagens de indignação. O fato tem gerado a carnavalização de uma revolta que eu considero superficial, e efêmera. Será que essa mesma classe artística se sensibilisaria se fosse um cidadão comum, apanhando de PM's como acontece constantemente em nossa cidade simplesmente por estar na hora e local errado? Será que o cidadão comum, ou mesmo os bárbaros que fizeram essa sacanagem com os atores foram instruídos culturalmente para absorver uma peça desse nível?
Essa mesma classe artística parece não estar atenta à outras questões. A violência foi motivada por um choque cultural, uma amostra grátis de um estado gritante de degradação da cultura no Ceará. Hoje em nossas escolas públicas, alunos concluem o segundo grau sendo enrolados, recebendo uma pseudo 'educação artística' por profissionais não qualificados, muitas vezes até professores de matemática ou geografia. Se Shakespeare fosse cearense, e estudasse em escola pública jamais se descubriria dramaturgo, e fatalmente terminaria seus estudos conseguindo um emprego de telemarketing na Contax.
Por outro lado uma pseudo cultura disceminada por empresários locais, donos miliónários de impérios da cultura lixo, unicos possuidores de inúmeras bandas de forró, que empregam a salários ridiculos até mesmo músicos graduados. Pagam 'jabás' às rádios populares promovendo a alienação da população ignorante. As letras dessa música esdrúxula nos agride quase tanto quanto os policiais da praça José de Alencar. Prefeitos de cidades do interior, contratam com dinheiro público essas bandas para apresentações públicas em datas festivas, (na maioria das vezes superfaturando em comum acordo com esses donos de banda) alegam estar promovendo a 'cultura', com verba destinada à mesma. Enquanto isso Luiz Gonzaga, deve se remexer no túmulo. O seu sertão não rende mais poesias à altura.
O cidadão comum, paga seus impostos e esses não retornam à seus filhos em termos culturais. Tenho visto muita gente 'brincar de fazer cinema' com dinheiro público de editais de cultura, filhos mimados de classe média produzindo uma arte aburguesada, egocêntrica, e hermética, e de gosto notoriamente duvidoso. A população geral termina mais uma vez sem representatividade cultural e estética. Glauber Rocha, indignado também deve coçar o queixo de onde estiver.
Infelizmente produzir arte, genuína, de qualidade, por amor, é um trabalho digno do McGyver nesse estado. Não há um público consistente para absorver essa arte.
Até quando? Será que ainda tem como piorar a situação? O fato ocorrido nos obriga a refletir sobre essas questões. Imaginemos o quanto esse triste espancamentos de atores, foi apenas a ponta de um iceberg. Pensemos sobre a universalidade do que produzimos enquanto artistas. A arte deve representar a identidade de um povo. Será que o que tem sido produzido dialoga com a população? Estamos diante de uma juventude sem IDENTIDADE, com um vácuo na alma que essa arte deveria estar preenchendo. A barbárie produzida no laboratório de todo um sistema injusto, e cujos culpados são óbvios."

Emilena Cardoso
Artesã, Diretora de Arte em Audiovisual, Figurinista e estudante de Artes Cênicas

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