terça-feira, 8 de junho de 2010

Sala d'um AP

Muito bem antes

Meu nome é Pedro, tenho 23 anos, sou filho do meio, entre um irmão e uma irmã. Larguei a Faculdade aos 20, assim que consegui com o pai de um amigo um bom emprego em um shopping. Hoje vivo bem, aliás, muito bem para um rapaz jovem e solteiro. Não tenho luxos e meu apartamento é bem simples, só compro o que uso e, se tenho enfeites pela casa, é porque ganho todos os anos em dias de aniversário, Natal e amigos secretos.
Saí da casa de meus pais aos 17. Posso até dizer que fugi, afinal, meu pai foi completamente contra. Na cabeça dele só havia um motivo para um filho deixar a casa dos pais: um casamento, e isso, pelo menos naquela época, não passava pela minha cabeça. Queria curtir a vida, ser independente, amanhecer na Ponte Metálica com meus amigos, filosofando e poetizando. Fiz muito isso, só que sozinho.
Quando terminei o colegial já estava empregado numa livraria do mesmo shopping que hoje ajudo a administrar. O que ganhava não era muito, mas o suficiente para, junto a dois amigos e a namorada de um deles, alugarmos um "apertamento". O horário do trabalho não atrapalhava a faculdade, e era graças a ela que podia ainda contar com alguma ajuda financeira de meu pai. O sonho dele era que um dia, assim como ele, me tornasse um ótimo veterinário, como meus irmãos iriam ser também. Pois é, o velho foi absurdamente influente na decisão deles, mas foi em mim que jogou toda sua crença, afinal, diferente deles, além de ser um ano adiantado, nunca fiquei de recuperação, nem repeti, e ainda passei no vestibular na primeira tentativa. O problema é que nunca quis ser veterinário. Para falar a verdade, nunca soube mesmo o que queria, só me interessava em escrever, e a impressão que tinha, desde aquela época, é que vim ao mundo só para ficar vivendo e não fazer mais nada.
Um dia minha mãe disse que minha missão na Terra era ser livre, pois nunca quis ficar preso a nada, sempre fiz o que quis e não obedecia a ninguém (o que me leva a crer que fui um bom filho por pura vocação). Essa afirmação de mamãe foi um apoio essencial para minha decisão final de deixar a faculdade, assim poderia contar com ela para que meu pai se conformasse. A entrada de meu irmão mais novo na Veterinária também ajudou.
Pouco a pouco fui crecendo no meu trabalho até chegar onde cheguei. Enquanto isso, meu amigo que morava comigo rompeu com a namorada e ela foi embora, ficando nós e o outro amigo. Morávamos juntos, mas era como se cada um tivesse o seu próprio lar. Nossos horários eram diferentes e pouco nos víamos. Há três anos quase não sentiram minha partida quando resolvi ir embora. Só no bolso. Não via mais necessidade de pagar aluguel, já que podia ter meu próprio apartamento, e já que as companhias de nada mais adiantavam, vim morar só. É pequeno, do jeito que eu gosto, perfeito para mim.
Na época em que me preparava para mudar, minha mãe insistiu em ir comigo comprar móveis. Numa tarde no meio da semana, em um horário mais leve, ela foi ao shopping e saímos de loja em loja, ela escolhia e eu assinava o cheque. E foi nessa tarde que a reencontrei, passeando por ali, um lugar que eu conhecia tão bem. Estava mudada, não era a mesma...

Escrito em algum dia de agosto de 2001, para o módulo Interpretação III, ministrado pelo professor Antônio do Valle, durante a formação da 3ª turma do (extinto) Colégio de Direção Teatral do Instituto Dragão do Mar

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